"Eu coloquei prótese aos 4 anos por indicação da junta médica que diagnosticou o meu problema e foi superimportante pelo fato de não expor a cavidade ocular a doenças e irritações. A família foi muito importante nesse aspecto, mas o atraso na troca - que demorou 15 anos e por isso não acompanhou o crescimento da cavidade ocular - causou descoloração da prótese, fadiga muscular e excesso de secreção. O certo é substituir a cada cinco anos", comenta. Seriam, então, oito próteses até hoje. Esse é um dos temas que, segundo ele, as famílias nem sempre tomam conhecimento ou ainda não têm condições de arcar com os custos. "Isso causa discriminação social e, ao longo do tempo, profissional."
No livro, que deve ter cerca de 100 páginas e será o primeiro de quatro volumes divididos conforme seu crescimento, Alexandre vai narrar desde o momento do impacto da descoberta do diagnóstico de retinoblastoma em estágio avançado até o início da adolescência, mesclando muita informação com sentimentos, com objetivo de prevenir algumas situações. "Nessa primeira fase, o foco é levar informação às famílias sobre o dia a dia de uma criança monocular. A criança não tem responsabilidade sobre a sua condição. Nem sempre a família sabe dos cuidados necessários com a prótese e, principalmente, como lidar com a parte emocional: iniciação na escola, círculos de amizade, bullying."
O retinoblastoma foi percebido pela família, que não sonhava com esse diagnóstico mas enxergava um pontinho branco na pupila esquerda. Com a confirmação a tempo, a única sequela foi a perda do olho. Alexandre nunca se sentiu inferior por enxergar somente com o olho direito e jamais deixou de fazer o que fosse. Contrariando algumas pessoas, tirou a carteira de motorista com 16 anos para provar que conseguia, sim, dirigir. Um ano antes, começou no primeiro emprego - na empresa Oxinorte Ltda., aqui em Canoas. Se por um lado nunca viu dificuldade em desempenhar qualquer atividade, por outro teve que aprender a lidar com a discriminação alheia, principalmente com relação à vida profissional - que será abordada na sequência do livro.
Em um dos empregos mais recentes, ele afirma ter sofrido muito bullying, mas de uma minoria dos colegas, como conta sempre ocorrer. "Me incomodava se insistiam muito, mas eu acabava descontraindo para não tornar o ambiente pesado", lembra.
Ele ainda cita o preconceito que acontece em entrevistas de emprego e recorda da vez em que uma analista de RH comentou com uma pessoa que ele não seria contratado devido ao olho. "As empresas privadas ainda hoje em dia não dão chance de crescimento dentro do próprio processo seletivo interno. Muitas das vezes somos barrados pela aparência e somos colocados em cargos independente da nossa experiência, estudo ou vivência. Seria coincidência?", questiona.
Moradora do bairro Igara, Paula está com 30 anos e as consequências da monovisão a acompanham desde cedo. "Eu sempre falei que não enxergava de um olho e aos 5 anos cheguei a ser examinada, mas a médica disse que eu não tinha nada. Cresci ouvindo isso e, aos 12, foi diagnosticada a visão monocular", conta, acrescentando que no período escolar sofreu bastante com a discriminação, problema constante: "Quem olha para mim não vê que eu não enxergo com o olho esquerdo. Tenho muito desequilíbrio, tontura, e para descer escada é horrível. Muitas vezes eu esbarro nas pessoas na rua". Paula procura filas preferenciais ao ir a um banco, por exemplo - e o que era para facilitar sua vida acaba virando mais um transtorno. "Às vezes, entro numa fila preferencial e o pessoal olha pra mim e pensa: 'sem vergonha'. A maioria toca no braço, diz que eu tenho que sair dali, e eu tenho que dar toda uma explicação. Esses dias fiquei duas horas na fila normal por medo de retaliação, da ignorância dos outros. As pessoas têm que entender que não é frescura."
"Pacientes com visão monocular reconhecem a forma, as cores e o tamanho dos objetos, mas têm dificuldade em avaliar a profundidade e as distâncias, características da visão tridimensional", explica. Quando acontece desde o nascimento ou nos primeiros anos, não existem dificuldades de adaptação.
"Apesar de alguns pareceres favoráveis no Brasil para definir a visão monocular como deficiência, não há concordância de profissionais que atuam na área de reabilitação de pessoas com deficiência visual", cita Paula. Mas tramita no Congresso o PL 1615/201 para incluir os monoculares entre os deficientes. Sobre o retinoblastoma, a médica diz que em países em desenvolvimento, a enucleação (retirada do globo ocular) ainda e a forma mais comum de tratamento.